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Navarro e Freire Detetives Associados

–       Malandro é o gato que já nasceu de bigodes.

 Eram sete e meia da noite quando ouvi essa pérola. E justo da boca de quem? Cliente, é claro. Pior, pau mandado de cliente. Já estava sonolento, cansado do trabalho e da cara dele, mas o sujeito continuava a falar. Mesmo com a minha cara de azedo, mesmo com a fedentina asquerosa de mofo e criolina – maldita criolina que a Zefa jurou resolver a mancha preta da parede. A ressaca que não deu as caras durante a manhã dava sinais de querer colar.

            A salinha do edifício Ouro Verde onde ficava a Navarro e Freire Detetives Associados já tinha visto os piores tipos, e esse não era exceção: barba por fazer, bafo alcoólico e a banha transbordando entre os botões da camisa preta. Uma pizza calabresa master embaixo de cada suvaco. 

–       Cê sabe, noite de quinta lá no De Monte Carlo é bombado pá caralho, neguinho parece que não consegue se segurar. Começo do mês, galhere com o bolso gordo, as gata com a chapinha em dia e o videopoker comendo.

–       Chapinha em dia? Gatas?

–       É mano, tu acha que nóis tamo de brincadera? Ó, juntano PM e Civil, um pico dura entre dois e três meses, isso se não tiver rolando operação da PF, aí é foda, os cara cola direto. Aliás, putaqueospariu viu? Foi-se o tempo em que você comprava um delega, dois PM e um juiz e ficava diboua. Hoje a fila dobra o quarteirão.

–       Mas e aí?

–       Ah, tá, então, pra dar um upgrade na parada a gente descolou umas mina alí com o Marlon, pagamo chapinha pra todo mundo…

–       Tendi as mina, mas e a chapinha?

–       Colega, agora o cassino tá na maior estica!

–       Porra, que viadagem do caralho, aliás, que porra de nome é esse? Não podia ser só Monte Carlo, não?

–       Não, o chefe é cheio de manias, dessas de feng shui e numerologia, parece que a astróloga dele disse que era importante o tal do “De”. Tinha a ver com umas paradas de sorte, prosperidade, sei lá.

–       Tá, tá, tá, tendi. Agora volta logo pra história.

–       Então, como te disse, noite estrumbada e talz, chegaí um neguinho. Mano, o cara era miúdo memo, parecia criança com bigode, saca?

–      Hum.

–       E lá no DeMon, como eu chamo nas interna, a clientela é VIP memo, chefe é exigente até com os caras que vão lá. Nada de boyzinho esquentado, nem véio fanfarrão. Chegô com duas putas, a gente não deixa entrar. É casa de respeito.

–       Sei, muito respeito.

–       Pô véio, num zoa. Tu tá ligado na chefia, o cara é classe, gosta de classe e não vai com a cara de quem não tem classe. E o maninho obviamente não tinha.

–       Mas se o nego não tinha classe, como é que passou na sua recepcionista? Não, como é mesmo que cê chama elas? Róst?

–       É RÓSTESSSS, RÓS-TESSS.

–       Tá, não enrola, não sei memo como é que esse povo fala, diz aí.

–       Então, o mais doido da parada é que o moleque sabia a senha, e mano, essa senha é top, 1000% segura, a gente troca toda a noite, só com presença confirmada é que tu consegue ter acesso. E o cara tinha. A róstess tinha o nome dele confirmado e talz, cliente ouro. Mano, diboua, eu conheço todos os clientes ouro do grupo, e esse cara não era um deles nem fudeno.

–       Tá, mas e aí. 

–       Calma, calma, muita hora nessa calma! Tô contando o meu barato, tenho culpa que tenho verve? Deixa eu, irmão! Então, neguinho chegou, estranhei, chequei co a mina, tudo certo, chequei na intranet…

–       Intranet?

–       É uma paradinha lá, se cê num sabe num vem ao caso. O cara tava limpo. Belê. A noite continuou a rolar, a freguesia apostando no videopoker, o crupiê paraguaio tranquilão. No andar de cima as mina tavam pegando fogo memo, nem parecia que era puta, tá ligado? Tava com cara de ser a melhor noite do mês. Mas era agosto. E Agosto é o mês do cachorro loko, mês do desgosto. Aí, quando eu já tava ali pronto pra jantar a minha cachorra de estimação, o baguio desandou, pior que maionese.

Finalmente o baiacú alí na minha frente resolveu chegar em algum lugar. Aquela descrição das maravilhas do rei do jogo clandestino de São Paulo me enchia o saco. Reconheço, a verve do mano não era das piores, mas eu não estava em condições de apreciá-la, a cabeça gritava fininho e eu pedi licença pra preparar um sonrisal.

 –       Cara, minha avózinha lá em Itabunas sempre disse que chá de boldo com louro é tiro e queda pro figo, cê tá com a cara verde, Navarro, desse jeito num dura muito não.

–       Lorival, tu é médico? É vidente? Não, né? Então não me venha com essa porra de cházinho da vovó que eu sei cuidar muito bem da minha vida, valeu?

–       Tá bão, cê que sabe. Onde é que eu tava memo? Ah! Então, a porra desandou toda. O paraguaio chega ni mim mais branco que pó de giz. O cara tava suando frio, nunca vi o china assim. “Que foi Chinoca?”. “O tipo alí acabou de rifar a casa, el refe vai comer nuestro rabo, o nego conseguiu um milhón!” disse apontando para o tal do tipinho magrela do bigodinho ralo.

–       Caceta! Um milhão é foda! E o Doutor Ivo? Falou o que?

–       Mano, tive que ligar pro chefe. O cara ficou tiririca, uma fera. Mandou eu revistar a casa inteirinha, todos os clientes e funcionários pra ver onde é que tava o truque. Não dava, a gente é um negócio de respeito, fino, não pode sair revistando a bacanada assim, a troco de nada. “A troco de nada, Lorival?” berrou o chefe na minha orelha, “A troco de nada?”.

–       Lorival, tu é uma anta catatônica mesmo, como é que foi falar isso pro Doutor Ivo?

–       Bão, eu tinha que trazer o véio pro chão, né, Navarro? Não é a toa que a anta catatônica aqui tá a tanto tempo com a chefia. Alguém tem que por um bom senso na cabeça do véio, o cara é muito esquentado! Enfim, resolvi cozinhar o magrela em banho-maria, instruí o paraguaio a fazer todas as honrarias da casa: trazer champanha com estrelinha, as piranhas chegam fazendo trenzinho e levam o cara lá pra cima, é aquele show.

–       Mas o Doutor Ivo não ia achar um disparate? O cara rapela a grana da casa e ainda é festejado?

–       Pourra Navarro, achei que você tinha alguma coisa nesse seu cérebro de minhoca. Eu precisava de tempo pra sacar o que tava acontecendo, foda-se como é que eu ia conseguir isso, o Doutor Ivo quer resultado – re-sul-ta-do!

–       Tá certo mano, e qual foi o re-sul-ta-do? Deu zebra?

–       Cara, sabe o que é pior, deu coluna do meio total. Nada, nadinha, necas de pitibiriba, escarafunchei até o cú da última puta pra ver se achava alguma coisa e tava tudo certo.

–       Bom, se tava tudo certo, qué que cê tá fazendo aqui, negão?

–       Então mano, duas três horas depois, subo lá pra ver como é que estão as coisas. Eu não tinha achado porra nenhuma, todo mundo limpo e liso e eu com esse milhão pronto pra entrar no meu cú. Que cê sabe, Doutor Ivo é gente fina mas não é idiota e alguém ia ter que pagar por aquela escorregada, ah, se não ia.

–       E?

–       Bão, fui pro segundo andar, a gente fez uma parada joinha, separamos jogatina das biates, chamamo um decorador especializado em motel e fizemos uma parada assim, bem erótica, de bom gosto mas safada. Entrei na sala vermelha e o cara tava lá, parado, parecia uma múmia.

–       Hein?

–       A Rosaly veio me contar que assim que entrou na sala vermelha o flaquito gelou. Todas as minas tinham descido pra fazer a palhaçada, só não foi a Ângela, uma menina nova na casa. Então o cara ficou ali parado, elas se enroscando, esfregando e nada dele se mexer. Parecia que tinha virado pedra, visto fantasma, sei lá. Na hora em que eu cheguei continuava assim, não mexia nem um músculo.

–       Tá, o cara era uma múmia de pedra, sei.

–       Entreguei a grana toda e ofereci nossos serviços para levá-lo em casa. Eu tinha decidido apagar o fulano discretamente, longe do cassino e recuperar a grana perdida, senão quem ia se fuder era euzinho aqui e tu sabe, não tô no bísnes a troco de nada. Assim que o Banguela deixou o cara em casa, me mandou o endereço do piolho.

–       Tendi, tu chegou tarde demais na casa do fulaninho e o cara tinha sumido com a grana. Quer que eu ache a figura, é isso? Cê sabe que a essa altura do championship o cara já tá em marte, né?

–       Navarro, cê num tá entendendo. Eu cheguei na porra da casa do cara, casa normal, nem muito pobre, nem muito rica, assim, tipo a casa da sua irmã, saca? Bão, chego lá e o que encontro? O cara estirado no chão, com um balaço na cabeça.

–       Hein?

–       É mano, ele tava morto, mortinho da silva. E não é que eu demorei muito, cheguei logo depois deles, não tinha ninguém seguindo o carro, o Banguela jurou de pé junto. E a porra do berro tava na mão do cara, mas tu sabe como são essas coisas, rola cada Badan Palhares por aí que é foda.

–       E a grana?

–       Tava ali do lado, ainda empacotada. Não tive dúvidas, catei a sacola e dei no pé.

–       Então deu tudo certo, Lorival! Tu recuperou a grana, o cara tá morto, que que tu qué comigo, hein?

–       Então mano, tô com a pulga atrás da orelha. Quem é que em sã consciência ganha um milhão assim, diboua, na sorte da fortuna, vai pra casa e se mata?

 

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Clarice Reichstul